quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Sonâmbulo

Amo-te.
e, enquanto dormes
o sono dos anjos mais singelos,
fico solitário velando tua calma de flor.

Quase ouvindo-te respirar,
e minha mão num quase-toque
vai roçamdo falsamente tua pele
com receio que qualquer coisa se desmanche tal uma nuvem.

Ensaio.

(à Shirlen)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A festa

Tinha uma cama, e, paralela à cama, uma parede, dois metros se tanto. Sem nenhuma intenção de equidistância, uma mesa se intrometia em algum ponto que tolerasse seu volumezinho de cabeceira. Na parede, uma tomada 220. E um fio, metido a abstrato, saía dela feito cobra-cega e dava no ouvido do homem na cama.
O homem tinha olhos de ET e boca de tamanduá. Era estranho, mas de resto era todo gente composto de carne osso e dente. Nas paredes era fácil notar garrafas de cerveja vazias de coração, secas de conteúdo, descarnadas de substância. Sem nenhum miserável discurso em seus rótulos. Os restos de cigarro no cinzeiro de ouro pareciam as bruxas da inquisição santa, purificação. A cômoda era charmosa, da gaveta do meio às vezes uma lua cheia de nove-horas saltava e alumiava a vida. Debaixo da cama havia um mapinguari malévolo, famélico. Uns crucifixos pendiam do chão por barbantes de cobre e quase roçavam o teto, balançando serenamente, sem nenhuma gravidade.
Na prateleira de livros uma rosa vermelhíssima engolia o leviatã, o homem abriu os olhos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Noite

você é a rússia,
e eu morro de paixão:
com cara eslava branca, meio soviética
sussuro mudo-riso: "você é um desmancha-prazeres"

remancho sobre teu pálido fantasma branco porque não sou de ferro

domingo, 14 de agosto de 2011

Late redemption

Num frugal enrolar-se
Mordo-te os dentes a boca o sangue o hálito
Vou te engolindo
E fundo-nos numa temperatura impossível
Deito meu corpo sobre o teu
Em linha reta linha plana
Sem linha nos empenho num sem-fim de linhas
Cem mil linhas, e numa linha-dupla culminamos
Na linha do teu olho absurdo
Que geme em movimentos redundantes de entregar-se
Voltas e revira-voltas: ponho teus pés na boca
E vou te engolindo, jibóia que sou,
E tu, tal sereia me traga; minhas pernas se vão
Num escorregadio descer pela tua garganta encantada:
E somos uma fita möbius num confundir-se de sussurros
Eu todo dentro de ti, e tu inteira dentro de mim
E vamos nos fagocitando eternamente
No espaço infinito de nossa cama imaginária
Até morrermos, duas viúvas-negras paralisadas.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Bon voyage

Mas já que eu não posso:
Boa viagem até outra vez.

Eus caçadores a correr, e as presas
Num feliz entregar-se entre soluços

Graças a um pouso imprevisto quando voava de Istambul a Frankfurt
We've got the power, we are divine
Satã is a chid of our God

Fada-dama recostada no muro
Não sentes os Éfiros brincar por entre as flores?
muitas vezes, o bobo é um Dostoiéviski

Um bicho, Fabiano, sim senhor.
Levanta excomungado


"E o poeta é um apólogo", suspirou.
"Outrora" Inês é morta, "Wizard!"

All my demons cast a spell
The souls of dusk rising from the ashes

Eles passarão, eu passarinho.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lira diaboliquinha

Toda via leva
E, leve, lesa
Enleva , transa
Love! Teogonia de fadas
Às gardalhadas metade sacanas metade safadas

Via?
Via!
Vi Ana passar assobiando
Todaviando mistérios
Vi!Ana passa, todavia.

Dessa parte àquela (re)parte.
Engulo seco
Desce seco
Doce e seco
Dossiê seco:

"Olha o zeppelin!"
Destilando invencionice.
No céu de que boca?
De Ana?
E Ana, passou?

No paço?
Na peça?
Passou, sabe Deus com que passo?
Via Ana! Não passa,
"É" Sempre-sempre.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A casa

Foi assim, o chão estava todo salpicado, eram meus parcos objetos espalhados. A casa é minúscula.
Essa sensação nunca mais hei de provar. Talvez até algo melhor. E, por certo, muitos sentimentos piores. Porém nunca mais vou saber como é sentir esse em si, porque tem coisas que é de uma vez só e pronto. Era minha primeira casa. Minha primeira casa, eram essas três exatas palavras que latejavam dentro da minha cabeça e minha cabeça voava, extática. Minhas mãos, extáticas.
Ainda agora, passada a euforia das estréias, experimento certa dificuldade ao tentar inventariar qualquer coisa para pregar a essa crônica. A casa.
Ao entrar pela porta tem um espaço três por três e uma pia na parede oposta. É só olhar para o chão que lá estão o Dostoiévski, o Graciliano, o Moacyr, o Chico, a Clarice, Hemingway, o Kafka, Orwell, tem um do Luís Fernando também, um três-em-um do Balzac; todos mais ou menos empilhados perto da minha mochila com pouquíssimas roupas. Estão lá ainda posso vê-los. Eles e os outros salpicando o chão junto com a pasta de documentos e com os dois tênis empoeirados.
Sinto vontade de deitar no chão, fecho a porta porque tenho vontade de ficar nu. Fico olhando tudo naquele espaçozinho que um dia tenciono transformar numa coisa meio cozinha-sala. Mas só depois, agora não posso. Era tudo diferente. Sentia uma terrível impaciência para fazer tudo.
Um quarto das paredes é salmão e os outros três quartos são um verde preguiçoso.
Aí tem uma portinha que leva para o quarto que também deve ter uns três metros quadrados. Nele só a cama com colchão e a cômoda que recuperei da casa de minha avó.
O banheiro, no quarto: é um paralelepipedozinho oco de um metro por um metro por dois metros e meio. Tudo pequeno e extraordinário. É incomunicável meu encanto. Eu, estranho que sou, sempre tinha imaginado um lugar lúgubre com baratas malgaxes caminhando pelas paredes enquanto eu dormia. Até fantasmas imaginei. Mas foi tudo diferente, as cerâmicas bem alvinhas desfaziam qualquer fantasia minha em morar num lugar mal-assombrado. Mas eu era todo êxtase.
Ligo para a namorada. Digo que a amo, e que a quero comigo deitado no chão frio, nua. Passamos horas no telefone falando coisas de namorados.
Fazemos amor por telefone no meu chão, e então leio uma coisa de Clarice para ela, e digo que estou fazendo uma poesia linda para enfeitar-lhe o pescoço. Falamos todas as besteiras do mundo e eu como uma maçã que trouxera na bolsa, e bebo água da pia porque não tenho geladeira. E não comprei comida porque também não tenho fogão. Mas sei que nada me falta, é estranho me sinto com uma liberdade muito grande. E bebo mais água da pia.
−Amor, que cachorro é esse latindo?, ela pergunta se referindo a um latido do outro lado da parede.
−Não sei, flor, respondo assim.
Comunico-lhe que o senhorio tem um cachorro, mas que julgo tão apático e oprimido pelo desleixo que nem deve ser capaz de latir. Ela diz que quando vier aqui vai esperar sair todo mundo para dar um banho nele, o que me faz rir. E eu que nunca senti compaixão confesso-lhe que amo seu amor pelos animais
−Não é para rir amor, você vai ver só.
E por aí fomos, na casa. Fez-se a casa.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A mulher albina

Ela era rosada e pequena
Estava no ônibus pregada ao banco
Sua bolsa era rosada e pequena
Estava no colo pregada à roupa
Os zíperes eram uma simetria de poesia

terça-feira, 28 de junho de 2011

Teorema

Queria ser.
Um ser de coisa
um ser de ventania, cálculo.


Uma função de matemática
apareceu dentro de mim sem gráfico:

Meus dedos estão aritméticos,
Meu domínio tem única imagem porque basta

Irei sê-lo, selo de envelope.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Conto do menino

Hoje fico levantando hipóteses. Fazendo analogias, sintetizando idéias, inventando previsões. Fico assim nessas coisas próprias dos que nada fazem da vida, ou dos que são, por natureza interna, mal amados. Outro dia imaginei, por exemplo, desse jeito assim: Se não tivesse telefonado para ela, aliás, comecei mais detrás, se nem tivesse ido naquele dia encontrá-la por acaso, e se, por acaso, não viesse a conhecê-la. É claro que fico achando tudo estranho porque ela é um desses humanos que tem a característica de parecer eterno e indispensável.
Porém minhas imaginações não param assim nesse vago, nessa indecisão. Conhecendo-lhe um pouco dos sonhos e ou dos vícios sei que ela se dispersaria por aí pelo país. Iria para viver coisas, ela é desejosa de viver coisas. Coisas que não dá para viver aqui, só lá. Aí eu fico imaginando assim: eu ficaria em casa lendo um livro porque quero envelhecer, ficaria sozinho me apegando às minhas teorias diabólicas e amorais. Mas não ficaria para sempre, pois também tenho um vago de inquietação por aqui por dentro de mim. E vou imaginado assim.
Numa noite em que estivesse triste ligaria a tevê e estaria passando Into the Wild. Eu sei como fazer, já senti isto, decerto choro. Pego a mochila ponho três mudas de roupa dentro. Não deixo bilhete, não deixo notícia, não deixo um beijo, um adeus. Saio é madrugada ainda, encosto a porta. Saio chorando liberdade. Vou viver aventuras e aprender coisas, sou jovem.
Na cidade não tem trem (dizem que terá), então vou andando para um lugar que não seja aqui perto. Não estou fugindo, estou chegando, eu sei disso, eu sei. Na Mochila, a única coisa do velho jovem é um livro da Clarice que não vou tocar por meses e meses e meses. Serei capaz de amar as pessoas todas como elas são. Saio por aí pelo mundo nascendo em cada gente que sofre. Saio sem questionar porque sou todo compreensão. Sentirei saudade da Cintia e dos outros irmãos, mas vou.
Aprendo a fumar com uns moradores de rua, descubro que álcool puro não tira o frio do coração. Vou e me entorpeço de amor. Tímido feito um macaco selvagem não faço muitos amigos, mas nem de longe isso cai sobre meu corpo como fracasso, eu estou andando e experimentando coisas pelo olfato. Talvez meus amigos de rua não se lembrem de mim quando no dia seguinte não estiver mais. Saio de carona pelo Brasil, saio sem romantismo talvez querendo achar qualquer Alasca, isso não sei, mas não é impossível.
Vou andando e sabendo de muita coisa, mas não sei que ela se descola de uma página de Fernando Pessoa e saí andando também, sem pódio de chegada ou beijo de namorada. Fico arrepiado ao ver como somos tão parecidos e nem desejamos a presença do outro, tampouco nos conhecemos. Sei que sim, sei que levaria anos, mas naturalmente um dia chegaria a hora. Isso é um fato que me esmaga.
Eu estou todo sentado na areia olhando uma montanha de água salgada com olhos de andarilho. Senta uma mulher ao meu lado, não sei nada sobre ela, só que a amo. Essas coisas a gente sabe. Fico olhando o vento fazendo umas manobras malucas com seus cabelos.
−Sou Psiquê.
−Alex.
Ficamos olhando uma onda grande.

domingo, 19 de junho de 2011

Nota

Trocarei minha vida para noites de lobisomens
Não vou mais escrever poesia
E não vou mais andar na rua
Nao irei mais, lento, à padaria
E fecharei a tevê, o abaju, a janela
Não vou ver o futebol
Serei velho e amargo
Sem rima
Sem notícia
Sem mísero eufemismo que me desentorte

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Um lenço de seda cor-de-rosa

Ela entrou rindo e se enroscando nos canos do trem insinuando alguns passos que já havia dançado horas antes na boate. Despudorada. Não se importou de acordar aquele povo todo que ia para o trabalho em vigília.
Se o dia deles estava começando, azar! O dela terminava.
Era domingo. Já passava das cinco.
Sentou-se ao meu lado. Não me percebeu. Ainda ria um pouco e relembrava partes do dia (ou da noite?) com as colegas.
Os fios grossos dos cabelos loiro-esverdeados já tinham pendido do coque. Vai ver estavam cansados. A franjinha - ou o pretenso toque de Lolita naquele rosto mais velho do que devia ser - já estava separada em gomos de sebo. Ela tinha suado muito naquela noite.
Bronzeado alaranjado da laje. Feiura pobre. Olhos maliciosos de quem sabe se defender. Rachaduras de uma idade mentirosa contornavam a boca manchada de um batom barato escolhido no catálogo da vizinha - a longa-duração durara menos que seu expediente. Tinha restos de purpurina espalhados pelo rosto. Não, Lobão, ali era 'decadénce sans elegánce'. O des-glamour. O des-amour.
Um sobretudo usado jogado por cima do corpo usado. Para protegê-la do frio ou dos censores externos? Por baixo daquele casaco, só consegui vislumbrar umas rendinhas azul-gasto. (Não paguei para ver o resto).
Pernas finas remetendo à miséria do passado, perdurando até o futuro. E tocos de pelo raspados se arrepiavam para lembrar que estava frio naquela insensível São Paulo. O inverno chegava (tinha algum dia passado?).
Chinelos creme-desbotado com tiras apertadas descansavam os pés que tinham dançado em um salto escandaloso. Nas unhas, esmaltes de cor cintilante-antiga, nada a ver com a coleção-tendência que a atriz anunciava na revista.
E ali, nos pés, ele. O turning point que me fez ter vontade de contar a história: no pé esquerdo, enrolado um lenço rosa-feio. Meticulosamente camuflador.
O pedaço de pano escondia escaras profundas, o pedaço da pele apodrecido por uma úlcera antiga e incontrolável. Um lenço de seda para esconder a ferida putrefata que estava para dominá-la toda. Um lenço cor-de-rosa para disfarçar o buraco roxo e vermelho que qualquer um abominaria. "Não, essa perebenta eu não quero". Diriam os cautelosos clientes. "Não me deito com uma puta doente".
Há que esconder a úlcera bexiguenta dos olhos dos distintos pais de família: ‘tiro tudo, menos o lenço, baby’. Há que fingir que a ferida não corrói, que tudo aquilo ali é apenas um arranhão de leve que já vai passar. Há que disfarçar a doença que em breve vai dorminar aquele corpo nunca a ela pertencido.
Sim, é essa a lição: sempre existe um lenço de seda rosa para envolver a feiura da puta.

A voz eletrônica anunciou a parada em alguma região de São Paulo bem longe da Avenida Paulista. A mulher seguiu seu caminho - talvez até um cortiço abafado cheirando a xixi de rato com cigarro barato.
Provavelmente, ela tomaria um café em um copo-americano, deixando uma marca de ex-batom vermelho. Depois, deixaria o sobretudo vestido no encosto de uma cadeira para dormir enquanto o resto da cidade corria.
E o lenço? Ela tiraria?

E eu respirei aliviada de ver a mulher bem longe de mim. Não gosto de ninguém que me faça lembrar que, apesar de não receber dinheiro, sou a mais vendida da cidade. E que meu puto coração é mais embolorado e ulcerento que o pé da puta.


(Por Gabi B. a Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O palhaço

Tinha um tempo que eu não via um palhaço. Teve aquela vez na estação, eram dois.
Esses tinham algo de velhaco, e pareciam ser desses que fazem malabarismo nos sinais. Eram muito magros e altos, deixando impressão de usarem pernas-de-pau por debaixo das calças largas. Pularam a grade, furaram a fila, quando umas vozes protestaram, responderam que não sentariam. Entraram e sentaram com suas perucas muito falsas num tom sujo de dourado.
Não dei importância a esse acontecimento, porém ontem topei com outro. Esse era solitário. E acho mesmo que foi a solidão dele, tão parelha com a minha, que me prendeu a atenção.
Era difícil dizer qualquer coisa sobre ele, além do evidente. Só sabia que era um palhaço e que estava exausto. Talvez fosse um ladrão, ou um desses sujeitos que batem nas esposas, mas ali minha única certeza era seu cansaço suspenso. Ele, a bem dizer, dormiu todos os dez minutos que passamos juntos. Pelo número do ônibus deduzi que vinha do Centro. Já passava das nove, daí seu estado. Devia ter passado o dia inteiro na rua.
A maquiagem era simples, a cara toda de branco. Com um vermelho fraco, contornava a boca e subia até as maçãs. Tinha também as sobrancelhas arqueadas que ele fazia de azul, era tudo. Não podia ser mesmo coisa demasiado complexa, já que diariamente o trabalho deveria ser refeito. Usava uma calça de soldado e tinha os pés cobertos por uma bolsa volumosa onde advinhei que carregasse seus apetrechos de palhaço. O que encerrava o quadro era uma camiseta rósea de algodão, e um apito de alumínio que pendia de seu pescoço por um cordão.
Finalmente o ônibus deu uma freada mais brusca que o natural, ele acordou rapidamente, abriu os olhos, eram uns olhos pequenos e arredondados. Olhos tão cansados quanto o corpo pesado que, amontoado no banco, logo voltava a dormir sem dar por mim a espreitá-lo.
Chega a hora de despedir-me dele, um estranho. O ônibus pára e minha esperança que abrisse novamente os olhos se esvaiu num leve remexer seu para posicionar melhor o corpo no banco.
Desço então, não tento mais buscar uma última imagem sua, de relance que fosse. Vou e me despeço sem espalhafato ou lamento. Não era seu amigo, nem viria a ser. Provavelmente se ele estivesse lúcido nem me causaria essa comoção, dou adeus ao seu cansaço inquietante, a sua maquiagem, a sua tragédia cotidiana. Ele some para alguma parte da cidade.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Assim métrico

Anagrama.
Adoro teus parafusos voando,
Ora frouxos,
Ora completamente soltos
Na minha gravidade zero
À esquerda, flutuantes.
Desembestado te dou um pouco de amor
Com minhas mãos em concha.

domingo, 8 de maio de 2011

Ermo em mim

Eu me inocento.
Nada posso fazer se,
Todo torto como sou, corro:

Corro, assim Forrest pseudobobão,
Para fronteira cartesiana
De meu senso mais desinteressado.

Um salário mínimo e meio mofo.
Um chute absurdo no vento, desejo de matéria.
Minha substância, um vago.

Engulo, emburrado, meu calmante para loucura
Mas acho que me cairia
bem uma dose de veneno no capricho

E um carinho da tua boca.
Aperto minha mão para me felicitar,
Me perdoo.

sábado, 7 de maio de 2011

Outra poesia mais ou menos

Eu vi um ícone,
Era azul-marinho cor dum avião
Toda de madeira, tua sobrancelha

A cara do Homem-aranha
É vermelha da cor do teu
Coração, um caroço de sertão

Eu perdi o juízo
E meu vocabulário
Vi uma logomarca perto do meu ombro

Escutei uma onomatopéia
Que se desgrudou da minha pele
E nem sei se era o telefone

Um prédio de aço tombou
Dentro de mim, e machucou
Meu pâncreas amarelo-fantasia

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Dívida de Amor



De tão furtivo
O poema já feito
Extraditou-se.
(Por Barb)

Alarmes, beijos e vaginas

      Eu assisti a um filme num sábado, faz muito tempo. Lembro que não podia assistir porque no domingo pela manhã bem cedo era vestibular. Parece que era uma sessão de clássicos, de modo que o filme até deve ser conhecido. Um sujeito de cabelos meio claros, e casado, tinha uma filha. Um filme normal, eu estava enrolando, preguiça de estudar. Não lembro se era em Nova Iorque, mas para todos os efeitos tanto faz.
      Ele tinha aversão a alarmes de carro, era então o centro da trama. Era compulsivo. Não peguei o filme exatamente do início, e nem precisava. Primeira cena vista: noite, ele deitado, um alarme lá em baixo zunindo insistentemente, ele mordendo o travesseiro.
       No fim das contas ele acaba descendo munido de um tacape para dar fim ao barulho. Feito o serviço, chega a lei, um flagrante. Se não erro ele é multado, e ele mesmo tinha chamado a polícia.
      Rola a história, eu vez ou outra, dou uma olhada de canto de olho para aquelas páginas que falavam um absurdo de coisas sobre Robispierre. Numa distração perdi um bom pedaço do filme. Não sei exatamente o que me escapou no devaneio, mas quando emergi, isto:
      Você tem que ir embora, diz a mulher dele.
      Então é isso?
      Não sei dizer que tipo de separação foi aquela. O fato é que ele sai de casa, muda-se para um apartamento pequeno no centro da cidade. Ele acaba se transformando num justiceiro noturno, com roupa e ideologia. Nosso herói acaba conhecendo uma moça bonita que se interessa por ele, ou por sua luta, isso não se sabe. Ela parece ser idiota de começo, mas não o é.
      Você não odeia o barulho, você ama, diz ela, não lembro se nua, ou se vestida.
      Ele parece que ri e resmunga alguma coisa que eu não ouvi, o volume estava baixo, ele continua fumando.
      −Você leu Hegel, mas não o entendeu todo, você odeia o barulho, mas você ama, você ama odiar, continua ela.
      −Ah Hegel! Queria nunca ter ouvido falar nele, ele diz rindo-se docemente.
      Eu acho que fui beber água, ou fui ver alguma coisa na varanda, perdi outro pedaço do filme, quando percebo, ele já não é mais um justiceiro mascarado, é agora um militante político, desses que catam pessoas para assinarem seus abaixo-assinados. A moça continua com ele. E não sei por que ela não aparece mais em cena com os óculos do começo. Não gostei disso, os óculos a deixavam mais enigmática.
      Lembro dessa cena, aconteceu em algum momento do filme, não sei em qual, sei apenas que ele já estava com a moça do Hegel: um bar, ou um restaurante, provavelmente uma trégua. Ele sentado, se não me engano. A moça aparece com outra moça, bonita também. Esta fica num canto e a outra vai falar com ele.
      −Ela gostou de você.
      Os três fazem sexo, isso não aparece, mas só as duas em cima da cama e ele fumando distraído a metro e meio de distância, eu acho que eles fizeram sexo. Elas parecem estar nuas.
      −Minha vagina é feia, diz a moça mais recente olhando para o teto.
      −Não tem nada de errado com ela, diz a moça do Hegel, e o chama para constatar.
       −Me parece boa, é o que ele diz meio cínico meio gentil.
      −Não, ela é feia, eu queria que ela fosse bonita, que fosse perfeita, queria ser um anjo.
     

      Outra cena deslocada, mas essa certamente aconteceu depois da anteriormente descrita: de novo um restaurante, eles naturalmente conversando sobre alarmes, rostos próximos, a câmera abre e a filha dele está em pé colada beira da mesa.
      −Amor..., diz ele surpreso.
      −Mamãe quer falar com você, diz a menina.
      Ele olha, há uns cinco metros está a esposa dele, ela sorri. Ele vai até lá.
      −Muito bonita sua namorada, diz ela amável.
      −Ela não é minha namorada, rindo um riso que não entendi.
      −Quando você volta para casa?, ela pergunta me deixando sem entender nada.
      No final a moça do Hegel viaja para algum canto, isso parece já estava combinado; ela não é uma dessas que ficam, é uma dessas que se vão e causam dor ou saudade. Eles se despedem de um modo que eu nunca vi em filmes. Quanto aos alarmes, tudo termina em um tribunal, nem tenho certeza, mas parece que tem cobertura da imprensa. Ele usa um artifício e perde para ganhar. Eu não entendi, tampouco ouvi: o volume estava muito baixo. Ele volta para casa. Eu gostei muito desse filme e fui dormir porque amanhã era vestibular. Não lembro o título.

Quase assim


      Eu, de fato, a conheci primeiro que ele. Não sabia dizer se era bonita. Eu, porém, ao que parecia, gostava dela. Nossas conversas sempre aconteciam de um modo que ninguém, por mais esforçado que seja jamais vai entender.
      No começo eu era indelicado com ela, falava qualquer coisa que me desse na veneta, e nem me importava se isso a iria machucar. Ela ria de quase tudo que eu falava. Dizia que eu era demais, o que gerava certo conforto. Ela que no começo parecia estar ali por estar, sem o menor interesse de contribuir ou roubar. No entanto logo foi deixando aparecer sua intenção que até podia não ser ruim, mas naturalmente era dissimulada. Ela dentro de si tinha lá suas artimanhas. Era gentil sem ser o que eu chamava de idiota, acho que foi por aí que ela começou a me pegar.
      Só lembro que, de um momento em diante, eu já notava que estava falando mais do que devia. Ela me dava corda, como se faz a um relógio antiquado demais. E ria com muita gentileza. Ela, a bem dizer, nada falava, ria apenas. O certo é que eu me tornava cada vez mais vulnerável, e ela imune. Uma incógnita ainda, sempre. Quando percebia que eu estava desconfiado, ou amedrontado, ela vinha toda delicadinha, Você é demais, adoro-te. Eu sabia que ela me manipulava tão descaradamente e nem me importava mais. Já não conseguia evitar mimá-la o mais docemente que podia.
       Em alguns momentos ela se mostrava atroz, fato que era até positivo, assim eu ficava mais esperto, porém não demorava, ela logo me inebriava de novo. Parece que percebia certa liberdade em mim, aí atacava muito docemente. Eu via tudo, mas nem me esforçava mais para mudar.
      Dizia que eu era tão novo e tão sagaz, eu já sabendo do seu cinismo ria, ela também ria. Certamente tinha consciência de tudo que eu sabia e de tudo que eu nunca viria a saber.
      Eu dei a única cartada que podia, um último esforço para a auto-preservação: afastei-me. Não sei se o fiz de um modo muito óbvio. Sabia que independentemente de meu esforço ela perceberia tudo. Chegou a perguntar por que eu estava tão ausente do seio dela, não sei se estava incomodada. Eu desconversava.
      Aí apareceu o João-Canção, e tudo foi para o brejo. Não que tivesse sido uma tragédia inesperada. Tudo já estava iminente e óbvio, todavia o previsto se transformou em fatos implacáveis. Ela nunca admitia isso, Estou sempre aqui, baby, você que não me visita mais. Cínica, sabia que no fundo acabara mesmo; é certo que não era o fim da era, ainda podíamos nos divertir um com o outro a qualquer hora, porém mudaram as coisas.
      Eu não sabia o que estava se passando entre ela e o João, mas era alguma coisa. Uma vez os espionei um bocadinho, e pude ver que ele estava se entregando pouco a pouco, pobre João. Mas ele não era burro, tinha lá suas armas. Era experiente, cantava como uma cotovia, sabia muito de ervas indianas. Um dia o vi quase cantando Índia da pele morena, da boca pequena. Eu desejei sorte em pensamento, cuidado João.

sábado, 16 de abril de 2011

Versinhos


Oui, minha pele
É um dicionário, yes.
Nela, uma intenção movediça:
Sí, amar-te
É o ato de te devorar
Com beijos, ok ok...

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sou um rato

De repente sou rato,
Cinzento rato.
Gato nobre
Engoliu-me, foi meu fim.

Morri com gosto
Dum queijo vencido
Amargando o céu de minha boca,
Morri rato.


sábado, 9 de abril de 2011

Um beijo torto


Deve ser proibido te amar:
Olho mudo para teu silêncio,
Fico vendo, com meu olho parado em cima de ti.
Duas palavras tuas caminharam
Na dobradiça de meu braço:
Tu escapaste, e fugiste para um sem-fim de ti mesma:
Tu sobejas no teu seio,
Cutuco tua bochecha com meu dedo,
Rio solto, tu foges louca.

Onomatopeia


Até tinha uma palavra
Na ponta da língua.
Um ciclo: vago, displicente,
Desemendado, bêbado,
Direitinho um urubu.

sábado, 2 de abril de 2011

Lolla


Minha torneira
Estava intermitente, amor.
Quis, louco, tomar banho.
Pois, debaixo de tua roupa,
Tua pele era um carnaval.
Debaixo da tua roupa,
Tua derme, mordaz, rebolou para mim.

Teu olho, steampunk,
Piscou num complicado
Processo mecânico.
Eu entendi-te, baby, mas minha torneira
Estava louca, me deixou intermitente:
Cal e poeira cósmica me agrediam.

Teu cabelo alaranjado me desordenou o senso, Lolla.
É o que diz tua gíria:
Coração, bombeado
Numa longa cadeia de dominós indecisos.

Lembrei de ti e me veio uma poesia
Muito petulante: uma poesia baby.
Todavia eu nem tinha papel
Meu lápis acabara.
Cantar ao vento nem podia.

Aí pichei um muro, marquei lá.
Não podia deixar escapar,
Você estava nos meus dedos,
Na minha homenagem transgressora.

Acabei preso, amor:
Era proibido riscar poesias no muro.
Debocharam do meu crime,
Eles mal sabiam.
Ninguém sabia.
Eles riam, o zelador ria, o carcereiro ria.
Xinguei todo mundo,
Aí me compliquei.
Mandaram-me para
A cadeira elétrica.
Assobiei.
Eles não sabiam.
A cadeira elétrica, para mim, seria besta.
Eu conhecia a tua eletricidade
E o resto era à toa.

Morri de tanto rir naquilo, baby.
Fui para o Inferno,
Isso era esperado.
Satã, de cara, não gostou de mim.
Assim, no começo, foi duro.
Mas depois a vida melhorou.
Até jogamos uma partida de xadrez, eu e Satã.
Vez ou outra conversávamos,
Mesmo sendo ele um Anjo muito solicitado:
Esse negócio de pactos
É muito dispendioso, se reclamou uma vez.
Porém não entendi direito,
Pois, em seguida, rio malignamente.

Então eu me entretia
Com uma diaba, com outra diaba,
E nada de você morrer.
Sua demora me frustrava.
Mas, naquela época, eu andava já irritado
Com todo aquele enxofre,
Com todo aquele ranger de dentes.
O fogo, depois do primeiro mês, já não incomoda.

Meu medo era que você se debandeasse.
Que fosse para o Céu eternamente.
Mas, aí, você morreu amor.
Inferno baby!
Você era perversa, logo ganhou status.
Muitos demônios até te temiam
Sendo você tão você.
Outros tantos te invejavam:
Seus olhos, duas lanternas encarnadas.
Você encantou.
Então nem teve modo de ser minha.
Você sempre fora assim, só sua.
Aí me debrucei, assim, intermitente.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Tapete persa

Queria ter uma letra desenhada
No meu esmalte escarlate.
Um caos calvo no meu coração.
Desfez-se um mistério preto,
Nem pude enxergar
Intenção de minha boca
Que ficou com sede
De um beijo, metódico que fosse.
Nem precisava ser beijo de gente:
Um beijo desse retrato.
Dessa mão de tinta verde-forte.
Desse tom robótico.
Um beijo desse simulacro.
Desse cachorro que late longe de minha vida.
Entortei-me todo, curvo:
Queria ter um amor nem grande de tamanho,
Um bicho livre dentro de mim.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Saquei tua flor

Saquei a nesga da sua flor
Olhei e vi, brilhava brilhava
Estava longe, mas eu era esperto
Era grande e limpa, brilhava brilhava
Vi a tua promessa desenhada
Definindo um jogo de azar.

Desci as escadas

      Desci as escadas do apartamento dele devagar e, puxado pelo costume, fui dar no botequim que às vezes tomávamos café. Era cedo e não topei nenhum conhecido, o quê me deixou contente. Entrei e sentei em uma mesa deslocada, uma de madeira envernizada e coberta com um plástico transparente. Estava vazio o lugar, fiquei um par de minutos, aí veio uma moça e estacou ao pé de mim. Tinha uma caderneta na mão, e trazia um avental alvinho abraçando-lhe o corpo roliço. Era uma conhecida do Antenor.
      Como sentisse que ela fosse perguntar qualquer coisa, me antecipei e falei num átimo, Um café e um bolo, ela assentiu com um sorriso amarelo na cara. Continuou imóvel, insistente. Parecia mesmo querer entabular conversa. Adivinhei que fosse inquirir alguma trivialidade sobre Antenor. E estando desinclinado a qualquer tipo de diálogo, num gesto quase desabrido, abaixei a cabeça, arrastei um jornal dobrado que descansava salpicado de migalhas de pão na outra ponta da mesa. Ensaiei iniciar uma leitura, e meu gesto bruto ao menos a espantou. Foi outra quem veio deixar o café na xícara surrada e o bolo num pratinho florido.
      Esta, diferente da primeira, era canhota e mais circunspecta. Deixou a encomenda e saiu, muda como veio, manobrando por entre as mesas. Quebrei o bolo em três pedaços mais ou menos iguais, mas não comi nada. Fiquei me distraindo por meia hora ou mais, o certo é que quando paguei a conta junto ao balcão o café já estava gelado.
      O dinheiro estava mirrado, mas preferi chamar um carro, uma viagem de ônibus naquele horário me mataria. Ainda cochilei no banco, quando o cabra indicou a chegada levantei meio assustado. Morava no Centro, um quartinho pequeno, pelo menos era arejado. Achei uma ofensa o valor que o sujeito atribuiu à corrida, acabei pagando sem reclamar. Ainda tinha algum dinheiro para receber, e na semana passada quitara a dívida com o agiota, poderia até emprestar mais um pouco caso.
      Cheguei em casa com muito sono, a noite na casa Antenor fora insone. Direto para cama, certamente Marcela não se animaria a vir me visitar, mas de qualquer modo deixei a porta encostada e desmaiei no meio de planos para o dia seguinte.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Duas e Quatorze


Tuas coxas
Um dia terão varizes, baby,
E então nem sei:


Nesse mundo
Tudo é meio pelo meio de tudo,
Tudo diminuto, uma flor.


Teus lábios têm sangue,
Têm sexo, um beijo à toa;
Teu quadril, electric.


A vida tão vida que chateia,
Passo de leve minha língua 

Na tua barriga e te arrepio.

Algumas palavras
Confidenciam segredos sensoriais,
Tal cobre encapado


Aí guturamos um gesto de amor
Um dia alguém descobre
A Verdade e publica.