sexta-feira, 27 de maio de 2011

O palhaço

Tinha um tempo que eu não via um palhaço. Teve aquela vez na estação, eram dois.
Esses tinham algo de velhaco, e pareciam ser desses que fazem malabarismo nos sinais. Eram muito magros e altos, deixando impressão de usarem pernas-de-pau por debaixo das calças largas. Pularam a grade, furaram a fila, quando umas vozes protestaram, responderam que não sentariam. Entraram e sentaram com suas perucas muito falsas num tom sujo de dourado.
Não dei importância a esse acontecimento, porém ontem topei com outro. Esse era solitário. E acho mesmo que foi a solidão dele, tão parelha com a minha, que me prendeu a atenção.
Era difícil dizer qualquer coisa sobre ele, além do evidente. Só sabia que era um palhaço e que estava exausto. Talvez fosse um ladrão, ou um desses sujeitos que batem nas esposas, mas ali minha única certeza era seu cansaço suspenso. Ele, a bem dizer, dormiu todos os dez minutos que passamos juntos. Pelo número do ônibus deduzi que vinha do Centro. Já passava das nove, daí seu estado. Devia ter passado o dia inteiro na rua.
A maquiagem era simples, a cara toda de branco. Com um vermelho fraco, contornava a boca e subia até as maçãs. Tinha também as sobrancelhas arqueadas que ele fazia de azul, era tudo. Não podia ser mesmo coisa demasiado complexa, já que diariamente o trabalho deveria ser refeito. Usava uma calça de soldado e tinha os pés cobertos por uma bolsa volumosa onde advinhei que carregasse seus apetrechos de palhaço. O que encerrava o quadro era uma camiseta rósea de algodão, e um apito de alumínio que pendia de seu pescoço por um cordão.
Finalmente o ônibus deu uma freada mais brusca que o natural, ele acordou rapidamente, abriu os olhos, eram uns olhos pequenos e arredondados. Olhos tão cansados quanto o corpo pesado que, amontoado no banco, logo voltava a dormir sem dar por mim a espreitá-lo.
Chega a hora de despedir-me dele, um estranho. O ônibus pára e minha esperança que abrisse novamente os olhos se esvaiu num leve remexer seu para posicionar melhor o corpo no banco.
Desço então, não tento mais buscar uma última imagem sua, de relance que fosse. Vou e me despeço sem espalhafato ou lamento. Não era seu amigo, nem viria a ser. Provavelmente se ele estivesse lúcido nem me causaria essa comoção, dou adeus ao seu cansaço inquietante, a sua maquiagem, a sua tragédia cotidiana. Ele some para alguma parte da cidade.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Assim métrico

Anagrama.
Adoro teus parafusos voando,
Ora frouxos,
Ora completamente soltos
Na minha gravidade zero
À esquerda, flutuantes.
Desembestado te dou um pouco de amor
Com minhas mãos em concha.

domingo, 8 de maio de 2011

Ermo em mim

Eu me inocento.
Nada posso fazer se,
Todo torto como sou, corro:

Corro, assim Forrest pseudobobão,
Para fronteira cartesiana
De meu senso mais desinteressado.

Um salário mínimo e meio mofo.
Um chute absurdo no vento, desejo de matéria.
Minha substância, um vago.

Engulo, emburrado, meu calmante para loucura
Mas acho que me cairia
bem uma dose de veneno no capricho

E um carinho da tua boca.
Aperto minha mão para me felicitar,
Me perdoo.

sábado, 7 de maio de 2011

Outra poesia mais ou menos

Eu vi um ícone,
Era azul-marinho cor dum avião
Toda de madeira, tua sobrancelha

A cara do Homem-aranha
É vermelha da cor do teu
Coração, um caroço de sertão

Eu perdi o juízo
E meu vocabulário
Vi uma logomarca perto do meu ombro

Escutei uma onomatopéia
Que se desgrudou da minha pele
E nem sei se era o telefone

Um prédio de aço tombou
Dentro de mim, e machucou
Meu pâncreas amarelo-fantasia