segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A árvore

Girou a chave na fechadura. Empurrou a porta, e fechou-a logo. Chovia. Acendeu a luz da salinha. E, por desfastio, procedeu de igual maneira na cozinha contígua. Entreteu-se um minuto esvaziando os bolsos: papeis molhadas, carteira, celular. Depositou tudo na pequena estante.

Desabotoou a camisa completamente encharcada, reposou-a no espaldar. Afastou os sapatos enlameados para um ângulo da sala, e livrou-se também da calça jeans e das meias, empapadas. Finalmente abriu a porta do quarto.

A luz foi se coando gradativamente para dentro do cômodo. Foi alumiando os ladrilhos, e subindo pelos pés da cama: sobre seus lençóis um corpo de mulher jazia nu. Os beiços pareciam feitos de sangue. Um calor quase sonoro se despejava de dentro daquele corpo para o exterior. Era um pequeno sol no centro de seu quarto. "Uma mulher-ET", pensou.

Ao invés de cabelos, faixas de cetim amarelo saiam de dentro do couro cabeludo agonizavam antes de atingir os ombros. O tecido era salpicado por centenas de pequeninas flores pretas . Era uma caricatura: sua boca abriu-se e Jorge viu sua língua pontiaguda. Os braços finos, o corpo todo diminuto. Febril. Ele apertou de leve aquele rosto entre suas mãos úmidas. Era um sujeito sentimental.

Deitou-se ao lado do corpo desconhecido . Simbiose. A cama englobou os corpos com uma calma mecânica e transmutou-se. Fertilidade, várzea... Cheiro de argila impregnou-se nas paredes e confundiu-se com o ar

Um rato ruivo desprendeu-se do teto, planou sem peso. Foi engolido pela terra movediça.

Uma seringueira brotou com austeridade daquelas intranhas e rompeu a noite.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Férias

Tem dia que a única pessoa que está ao seu alcance
é você mesmo...
E aí você faz o que quer, machuca, mima, dobra, ouve a
si mesmo.

E pra encher o saco só é preciso ligar o computador,
Conectar em qualquer rede social e ler uma mensagem
qualquer que não vem do coração, do cérebro ou do
pulmão, talvez ela tenha vindo de qualquer outra parte
do corpo mais podre, mas não do coração ou do cérebro,
ou do pulmão, frases de efeito sabe...

Sim! Aí resolve-se ler um livro, mas o livro não diz nada, não guardo nada dele, leio na ânsia de termina-lo, leio sem ânsia de ler.

Aí resolve-se ouvir música, nenhuma me parece perfeita, não o suficiente para precisar repeti-la até decorar ou enjoar e nessa onda de procurar uma perfeita melodia aos meus ouvidos, desisto.

Então resolve-se deitar, levantar, ouvir pessoas na Tv, desliga-la, andar, pensar na vida, cantar, ficar triste, ou procurar motivo para ficar feliz...

Aí resolve-se acabar o dia, escurecer o céu, descer algumas estrelas, e por pouco que seja, esfria... isso não fui eu que resolvi.


Barbara Oliva.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Dia de homem

É noite. Fico olhando uma mancha na parede, sem alternativa. Deitado com o corpo retorcido, arremedando uma jiboia. Abaixo as pálpebras teatralmente. Sem ânsia, sem monotonia: finjo que a mancha inchou e engoliu a parede e o mundo. Vida mesmo só restou a minha, envolvida em todo aquele manto de escuridão. Sinto um calor de pele entrando no meu nariz. Com certa fatalidade, digo em voz alta: “tudo é uma mancha, sem tempo e com densidade infinita, singularidade”. E é engraçado, pois eu digo desse jeitinho aí, imitando a voz do Ciro. Mas, tão logo o princípio do sorriso se desesboça do canto da minha boca, me encho de fatalidade e contorço o corpo mais um pouco. Olhos ainda fechados. Um pouco desordenadamente, filmes muito violentos se misturam com minha imaginação. Sinto uma angústia leve, e hesito. Hesito, agora outra vez, sem tragédia. Um novo cansaço. Lembro-me, nesse momento, da palavra parcimônia e deixo escapar um débil puta que o pariu. Paro. Silêncio, silêncio.


Sem alternativa, abro um olho, com desconfiança. Em seguida o outro. Estou só no aposento: “Estou só na América”, digo emprestando uma falsa fraqueza a voz. Olho-a, e depois, mais de perto, e mais um pouco, e mais. E já tenho a cara cosida à parede. Cheiro, toco, lambo. Inútil: nada intuo da mancha que me espreita, soberba.


“A lua assopra luz branca alisando teus seios descorados seios gradeados por enferrujadinhas sardas”. Levanto. Camisa, bermuda, chaves, algum dinheiro. Saio. Vou em busca de alguma lugar para beber cerveja e comprar cigarros. É noite de gente grande. Levo comigo, em toda a extensão da minha língua, esse poeminha que fiz para uma outra mulher. É noite. Ando pela avenida. Ando durante uma hora. Estou muito doente, perdido na rua. E a cidade é atroz.


Ele deve estar morto de estar na sala de cera. É a grande chance. Escrevo no espelho com tinta vermelha: “a ideia da distância, garota”, separando meu rosto em dois pedaços assimétricos. E parto desta vida de cão. Estou doente e não posso. A vida explode meu corpo de homem.


Agora sigo cogitabundo, especulação.