sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lira diaboliquinha

Toda via leva
E, leve, lesa
Enleva , transa
Love! Teogonia de fadas
Às gardalhadas metade sacanas metade safadas

Via?
Via!
Vi Ana passar assobiando
Todaviando mistérios
Vi!Ana passa, todavia.

Dessa parte àquela (re)parte.
Engulo seco
Desce seco
Doce e seco
Dossiê seco:

"Olha o zeppelin!"
Destilando invencionice.
No céu de que boca?
De Ana?
E Ana, passou?

No paço?
Na peça?
Passou, sabe Deus com que passo?
Via Ana! Não passa,
"É" Sempre-sempre.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A casa

Foi assim, o chão estava todo salpicado, eram meus parcos objetos espalhados. A casa é minúscula.
Essa sensação nunca mais hei de provar. Talvez até algo melhor. E, por certo, muitos sentimentos piores. Porém nunca mais vou saber como é sentir esse em si, porque tem coisas que é de uma vez só e pronto. Era minha primeira casa. Minha primeira casa, eram essas três exatas palavras que latejavam dentro da minha cabeça e minha cabeça voava, extática. Minhas mãos, extáticas.
Ainda agora, passada a euforia das estréias, experimento certa dificuldade ao tentar inventariar qualquer coisa para pregar a essa crônica. A casa.
Ao entrar pela porta tem um espaço três por três e uma pia na parede oposta. É só olhar para o chão que lá estão o Dostoiévski, o Graciliano, o Moacyr, o Chico, a Clarice, Hemingway, o Kafka, Orwell, tem um do Luís Fernando também, um três-em-um do Balzac; todos mais ou menos empilhados perto da minha mochila com pouquíssimas roupas. Estão lá ainda posso vê-los. Eles e os outros salpicando o chão junto com a pasta de documentos e com os dois tênis empoeirados.
Sinto vontade de deitar no chão, fecho a porta porque tenho vontade de ficar nu. Fico olhando tudo naquele espaçozinho que um dia tenciono transformar numa coisa meio cozinha-sala. Mas só depois, agora não posso. Era tudo diferente. Sentia uma terrível impaciência para fazer tudo.
Um quarto das paredes é salmão e os outros três quartos são um verde preguiçoso.
Aí tem uma portinha que leva para o quarto que também deve ter uns três metros quadrados. Nele só a cama com colchão e a cômoda que recuperei da casa de minha avó.
O banheiro, no quarto: é um paralelepipedozinho oco de um metro por um metro por dois metros e meio. Tudo pequeno e extraordinário. É incomunicável meu encanto. Eu, estranho que sou, sempre tinha imaginado um lugar lúgubre com baratas malgaxes caminhando pelas paredes enquanto eu dormia. Até fantasmas imaginei. Mas foi tudo diferente, as cerâmicas bem alvinhas desfaziam qualquer fantasia minha em morar num lugar mal-assombrado. Mas eu era todo êxtase.
Ligo para a namorada. Digo que a amo, e que a quero comigo deitado no chão frio, nua. Passamos horas no telefone falando coisas de namorados.
Fazemos amor por telefone no meu chão, e então leio uma coisa de Clarice para ela, e digo que estou fazendo uma poesia linda para enfeitar-lhe o pescoço. Falamos todas as besteiras do mundo e eu como uma maçã que trouxera na bolsa, e bebo água da pia porque não tenho geladeira. E não comprei comida porque também não tenho fogão. Mas sei que nada me falta, é estranho me sinto com uma liberdade muito grande. E bebo mais água da pia.
−Amor, que cachorro é esse latindo?, ela pergunta se referindo a um latido do outro lado da parede.
−Não sei, flor, respondo assim.
Comunico-lhe que o senhorio tem um cachorro, mas que julgo tão apático e oprimido pelo desleixo que nem deve ser capaz de latir. Ela diz que quando vier aqui vai esperar sair todo mundo para dar um banho nele, o que me faz rir. E eu que nunca senti compaixão confesso-lhe que amo seu amor pelos animais
−Não é para rir amor, você vai ver só.
E por aí fomos, na casa. Fez-se a casa.