quinta-feira, 31 de março de 2011

Tapete persa

Queria ter uma letra desenhada
No meu esmalte escarlate.
Um caos calvo no meu coração.
Desfez-se um mistério preto,
Nem pude enxergar
Intenção de minha boca
Que ficou com sede
De um beijo, metódico que fosse.
Nem precisava ser beijo de gente:
Um beijo desse retrato.
Dessa mão de tinta verde-forte.
Desse tom robótico.
Um beijo desse simulacro.
Desse cachorro que late longe de minha vida.
Entortei-me todo, curvo:
Queria ter um amor nem grande de tamanho,
Um bicho livre dentro de mim.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Saquei tua flor

Saquei a nesga da sua flor
Olhei e vi, brilhava brilhava
Estava longe, mas eu era esperto
Era grande e limpa, brilhava brilhava
Vi a tua promessa desenhada
Definindo um jogo de azar.

Desci as escadas

      Desci as escadas do apartamento dele devagar e, puxado pelo costume, fui dar no botequim que às vezes tomávamos café. Era cedo e não topei nenhum conhecido, o quê me deixou contente. Entrei e sentei em uma mesa deslocada, uma de madeira envernizada e coberta com um plástico transparente. Estava vazio o lugar, fiquei um par de minutos, aí veio uma moça e estacou ao pé de mim. Tinha uma caderneta na mão, e trazia um avental alvinho abraçando-lhe o corpo roliço. Era uma conhecida do Antenor.
      Como sentisse que ela fosse perguntar qualquer coisa, me antecipei e falei num átimo, Um café e um bolo, ela assentiu com um sorriso amarelo na cara. Continuou imóvel, insistente. Parecia mesmo querer entabular conversa. Adivinhei que fosse inquirir alguma trivialidade sobre Antenor. E estando desinclinado a qualquer tipo de diálogo, num gesto quase desabrido, abaixei a cabeça, arrastei um jornal dobrado que descansava salpicado de migalhas de pão na outra ponta da mesa. Ensaiei iniciar uma leitura, e meu gesto bruto ao menos a espantou. Foi outra quem veio deixar o café na xícara surrada e o bolo num pratinho florido.
      Esta, diferente da primeira, era canhota e mais circunspecta. Deixou a encomenda e saiu, muda como veio, manobrando por entre as mesas. Quebrei o bolo em três pedaços mais ou menos iguais, mas não comi nada. Fiquei me distraindo por meia hora ou mais, o certo é que quando paguei a conta junto ao balcão o café já estava gelado.
      O dinheiro estava mirrado, mas preferi chamar um carro, uma viagem de ônibus naquele horário me mataria. Ainda cochilei no banco, quando o cabra indicou a chegada levantei meio assustado. Morava no Centro, um quartinho pequeno, pelo menos era arejado. Achei uma ofensa o valor que o sujeito atribuiu à corrida, acabei pagando sem reclamar. Ainda tinha algum dinheiro para receber, e na semana passada quitara a dívida com o agiota, poderia até emprestar mais um pouco caso.
      Cheguei em casa com muito sono, a noite na casa Antenor fora insone. Direto para cama, certamente Marcela não se animaria a vir me visitar, mas de qualquer modo deixei a porta encostada e desmaiei no meio de planos para o dia seguinte.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Duas e Quatorze


Tuas coxas
Um dia terão varizes, baby,
E então nem sei:


Nesse mundo
Tudo é meio pelo meio de tudo,
Tudo diminuto, uma flor.


Teus lábios têm sangue,
Têm sexo, um beijo à toa;
Teu quadril, electric.


A vida tão vida que chateia,
Passo de leve minha língua 

Na tua barriga e te arrepio.

Algumas palavras
Confidenciam segredos sensoriais,
Tal cobre encapado


Aí guturamos um gesto de amor
Um dia alguém descobre
A Verdade e publica.