sexta-feira, 22 de abril de 2011

Dívida de Amor



De tão furtivo
O poema já feito
Extraditou-se.
(Por Barb)

Alarmes, beijos e vaginas

      Eu assisti a um filme num sábado, faz muito tempo. Lembro que não podia assistir porque no domingo pela manhã bem cedo era vestibular. Parece que era uma sessão de clássicos, de modo que o filme até deve ser conhecido. Um sujeito de cabelos meio claros, e casado, tinha uma filha. Um filme normal, eu estava enrolando, preguiça de estudar. Não lembro se era em Nova Iorque, mas para todos os efeitos tanto faz.
      Ele tinha aversão a alarmes de carro, era então o centro da trama. Era compulsivo. Não peguei o filme exatamente do início, e nem precisava. Primeira cena vista: noite, ele deitado, um alarme lá em baixo zunindo insistentemente, ele mordendo o travesseiro.
       No fim das contas ele acaba descendo munido de um tacape para dar fim ao barulho. Feito o serviço, chega a lei, um flagrante. Se não erro ele é multado, e ele mesmo tinha chamado a polícia.
      Rola a história, eu vez ou outra, dou uma olhada de canto de olho para aquelas páginas que falavam um absurdo de coisas sobre Robispierre. Numa distração perdi um bom pedaço do filme. Não sei exatamente o que me escapou no devaneio, mas quando emergi, isto:
      Você tem que ir embora, diz a mulher dele.
      Então é isso?
      Não sei dizer que tipo de separação foi aquela. O fato é que ele sai de casa, muda-se para um apartamento pequeno no centro da cidade. Ele acaba se transformando num justiceiro noturno, com roupa e ideologia. Nosso herói acaba conhecendo uma moça bonita que se interessa por ele, ou por sua luta, isso não se sabe. Ela parece ser idiota de começo, mas não o é.
      Você não odeia o barulho, você ama, diz ela, não lembro se nua, ou se vestida.
      Ele parece que ri e resmunga alguma coisa que eu não ouvi, o volume estava baixo, ele continua fumando.
      −Você leu Hegel, mas não o entendeu todo, você odeia o barulho, mas você ama, você ama odiar, continua ela.
      −Ah Hegel! Queria nunca ter ouvido falar nele, ele diz rindo-se docemente.
      Eu acho que fui beber água, ou fui ver alguma coisa na varanda, perdi outro pedaço do filme, quando percebo, ele já não é mais um justiceiro mascarado, é agora um militante político, desses que catam pessoas para assinarem seus abaixo-assinados. A moça continua com ele. E não sei por que ela não aparece mais em cena com os óculos do começo. Não gostei disso, os óculos a deixavam mais enigmática.
      Lembro dessa cena, aconteceu em algum momento do filme, não sei em qual, sei apenas que ele já estava com a moça do Hegel: um bar, ou um restaurante, provavelmente uma trégua. Ele sentado, se não me engano. A moça aparece com outra moça, bonita também. Esta fica num canto e a outra vai falar com ele.
      −Ela gostou de você.
      Os três fazem sexo, isso não aparece, mas só as duas em cima da cama e ele fumando distraído a metro e meio de distância, eu acho que eles fizeram sexo. Elas parecem estar nuas.
      −Minha vagina é feia, diz a moça mais recente olhando para o teto.
      −Não tem nada de errado com ela, diz a moça do Hegel, e o chama para constatar.
       −Me parece boa, é o que ele diz meio cínico meio gentil.
      −Não, ela é feia, eu queria que ela fosse bonita, que fosse perfeita, queria ser um anjo.
     

      Outra cena deslocada, mas essa certamente aconteceu depois da anteriormente descrita: de novo um restaurante, eles naturalmente conversando sobre alarmes, rostos próximos, a câmera abre e a filha dele está em pé colada beira da mesa.
      −Amor..., diz ele surpreso.
      −Mamãe quer falar com você, diz a menina.
      Ele olha, há uns cinco metros está a esposa dele, ela sorri. Ele vai até lá.
      −Muito bonita sua namorada, diz ela amável.
      −Ela não é minha namorada, rindo um riso que não entendi.
      −Quando você volta para casa?, ela pergunta me deixando sem entender nada.
      No final a moça do Hegel viaja para algum canto, isso parece já estava combinado; ela não é uma dessas que ficam, é uma dessas que se vão e causam dor ou saudade. Eles se despedem de um modo que eu nunca vi em filmes. Quanto aos alarmes, tudo termina em um tribunal, nem tenho certeza, mas parece que tem cobertura da imprensa. Ele usa um artifício e perde para ganhar. Eu não entendi, tampouco ouvi: o volume estava muito baixo. Ele volta para casa. Eu gostei muito desse filme e fui dormir porque amanhã era vestibular. Não lembro o título.

Quase assim


      Eu, de fato, a conheci primeiro que ele. Não sabia dizer se era bonita. Eu, porém, ao que parecia, gostava dela. Nossas conversas sempre aconteciam de um modo que ninguém, por mais esforçado que seja jamais vai entender.
      No começo eu era indelicado com ela, falava qualquer coisa que me desse na veneta, e nem me importava se isso a iria machucar. Ela ria de quase tudo que eu falava. Dizia que eu era demais, o que gerava certo conforto. Ela que no começo parecia estar ali por estar, sem o menor interesse de contribuir ou roubar. No entanto logo foi deixando aparecer sua intenção que até podia não ser ruim, mas naturalmente era dissimulada. Ela dentro de si tinha lá suas artimanhas. Era gentil sem ser o que eu chamava de idiota, acho que foi por aí que ela começou a me pegar.
      Só lembro que, de um momento em diante, eu já notava que estava falando mais do que devia. Ela me dava corda, como se faz a um relógio antiquado demais. E ria com muita gentileza. Ela, a bem dizer, nada falava, ria apenas. O certo é que eu me tornava cada vez mais vulnerável, e ela imune. Uma incógnita ainda, sempre. Quando percebia que eu estava desconfiado, ou amedrontado, ela vinha toda delicadinha, Você é demais, adoro-te. Eu sabia que ela me manipulava tão descaradamente e nem me importava mais. Já não conseguia evitar mimá-la o mais docemente que podia.
       Em alguns momentos ela se mostrava atroz, fato que era até positivo, assim eu ficava mais esperto, porém não demorava, ela logo me inebriava de novo. Parece que percebia certa liberdade em mim, aí atacava muito docemente. Eu via tudo, mas nem me esforçava mais para mudar.
      Dizia que eu era tão novo e tão sagaz, eu já sabendo do seu cinismo ria, ela também ria. Certamente tinha consciência de tudo que eu sabia e de tudo que eu nunca viria a saber.
      Eu dei a única cartada que podia, um último esforço para a auto-preservação: afastei-me. Não sei se o fiz de um modo muito óbvio. Sabia que independentemente de meu esforço ela perceberia tudo. Chegou a perguntar por que eu estava tão ausente do seio dela, não sei se estava incomodada. Eu desconversava.
      Aí apareceu o João-Canção, e tudo foi para o brejo. Não que tivesse sido uma tragédia inesperada. Tudo já estava iminente e óbvio, todavia o previsto se transformou em fatos implacáveis. Ela nunca admitia isso, Estou sempre aqui, baby, você que não me visita mais. Cínica, sabia que no fundo acabara mesmo; é certo que não era o fim da era, ainda podíamos nos divertir um com o outro a qualquer hora, porém mudaram as coisas.
      Eu não sabia o que estava se passando entre ela e o João, mas era alguma coisa. Uma vez os espionei um bocadinho, e pude ver que ele estava se entregando pouco a pouco, pobre João. Mas ele não era burro, tinha lá suas armas. Era experiente, cantava como uma cotovia, sabia muito de ervas indianas. Um dia o vi quase cantando Índia da pele morena, da boca pequena. Eu desejei sorte em pensamento, cuidado João.

sábado, 16 de abril de 2011

Versinhos


Oui, minha pele
É um dicionário, yes.
Nela, uma intenção movediça:
Sí, amar-te
É o ato de te devorar
Com beijos, ok ok...

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sou um rato

De repente sou rato,
Cinzento rato.
Gato nobre
Engoliu-me, foi meu fim.

Morri com gosto
Dum queijo vencido
Amargando o céu de minha boca,
Morri rato.


sábado, 9 de abril de 2011

Um beijo torto


Deve ser proibido te amar:
Olho mudo para teu silêncio,
Fico vendo, com meu olho parado em cima de ti.
Duas palavras tuas caminharam
Na dobradiça de meu braço:
Tu escapaste, e fugiste para um sem-fim de ti mesma:
Tu sobejas no teu seio,
Cutuco tua bochecha com meu dedo,
Rio solto, tu foges louca.

Onomatopeia


Até tinha uma palavra
Na ponta da língua.
Um ciclo: vago, displicente,
Desemendado, bêbado,
Direitinho um urubu.

sábado, 2 de abril de 2011

Lolla


Minha torneira
Estava intermitente, amor.
Quis, louco, tomar banho.
Pois, debaixo de tua roupa,
Tua pele era um carnaval.
Debaixo da tua roupa,
Tua derme, mordaz, rebolou para mim.

Teu olho, steampunk,
Piscou num complicado
Processo mecânico.
Eu entendi-te, baby, mas minha torneira
Estava louca, me deixou intermitente:
Cal e poeira cósmica me agrediam.

Teu cabelo alaranjado me desordenou o senso, Lolla.
É o que diz tua gíria:
Coração, bombeado
Numa longa cadeia de dominós indecisos.

Lembrei de ti e me veio uma poesia
Muito petulante: uma poesia baby.
Todavia eu nem tinha papel
Meu lápis acabara.
Cantar ao vento nem podia.

Aí pichei um muro, marquei lá.
Não podia deixar escapar,
Você estava nos meus dedos,
Na minha homenagem transgressora.

Acabei preso, amor:
Era proibido riscar poesias no muro.
Debocharam do meu crime,
Eles mal sabiam.
Ninguém sabia.
Eles riam, o zelador ria, o carcereiro ria.
Xinguei todo mundo,
Aí me compliquei.
Mandaram-me para
A cadeira elétrica.
Assobiei.
Eles não sabiam.
A cadeira elétrica, para mim, seria besta.
Eu conhecia a tua eletricidade
E o resto era à toa.

Morri de tanto rir naquilo, baby.
Fui para o Inferno,
Isso era esperado.
Satã, de cara, não gostou de mim.
Assim, no começo, foi duro.
Mas depois a vida melhorou.
Até jogamos uma partida de xadrez, eu e Satã.
Vez ou outra conversávamos,
Mesmo sendo ele um Anjo muito solicitado:
Esse negócio de pactos
É muito dispendioso, se reclamou uma vez.
Porém não entendi direito,
Pois, em seguida, rio malignamente.

Então eu me entretia
Com uma diaba, com outra diaba,
E nada de você morrer.
Sua demora me frustrava.
Mas, naquela época, eu andava já irritado
Com todo aquele enxofre,
Com todo aquele ranger de dentes.
O fogo, depois do primeiro mês, já não incomoda.

Meu medo era que você se debandeasse.
Que fosse para o Céu eternamente.
Mas, aí, você morreu amor.
Inferno baby!
Você era perversa, logo ganhou status.
Muitos demônios até te temiam
Sendo você tão você.
Outros tantos te invejavam:
Seus olhos, duas lanternas encarnadas.
Você encantou.
Então nem teve modo de ser minha.
Você sempre fora assim, só sua.
Aí me debrucei, assim, intermitente.